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''A família Naylor também já não pode alimentar a família Naylor, como fez nos tempos do avô.''


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A história da fazenda dos Naylor desde 1919, quando o avô de George a comprou, segue de perto a história da agricultura americana no século XX, tanto nas suas conquistas como nos seus desastres. Tudo começou com uma fazenda que sustentava uma família com uma dúzia de espécies diferentes de plantas e animais. Na época devia haver uma boa quantidade de milho, mas também de frutas e legumes, assim como de aveia, feno e alfafa para alimentar porcos, gado, galinhas e cavalos – os cavalos desempenhando o papel dos tratores daquela época. Um em cada quatro americanos vivia numa fazenda na época em que o avô de George chegou a Churdan; sua terra e seu trabalho proporcionavam comida suficiente para sua família e mais outros 12 americanos. Menos de um século depois, apenas cerca de dois milhões de americanos continuam a cultivar a terra – e o que produzem é suficiente para toda a população americana. Isso significa que o neto de Naylor, cultivando nada além de milho e soja numa propriedade bastante típica do Iowa, consegue ser tão fantasticamente produtivo que é capaz de alimentar 129 americanos. Levando em conta a produtividade por trabalhador, agricultores americanos como Naylor estão entre os seres humanos mais produtivos que já existiram. 

E, com tudo isso, George Naylor está quase à beira da falência – apesar de estar em melhor situação do que muitos de seus vizinhos. (Em parte porque ainda está dirigindo aquele trator ano 1975.) Pois, apesar de sua propriedade ainda ser capaz de alimentar 129 pessoas, ela já não é capaz de sustentar as quatro que moram nela: a fazenda dos Naylor sobrevive graças ao contracheque de Peggy Naylor (ela trabalha num órgão de assistência social em Jefferson) e a um subsídio anual pago por Washington, D.C. A família Naylor também já não pode alimentar a família Naylor, como fez nos tempos do avô. As safras colhidas por George são basicamente não comestíveis – são mercadorias que precisam ser processadas ou dadas aos animais como ração antes de que estes possam alimentar pessoas. Água, água por todo lado e nem uma gota para se beber: como ocorre na maior parte do Iowa, que atualmente importa 80% dos alimentos que consome, a fazenda de George (com exceção do seu jardim, suas galinhas e suas árvores frutíferas) é basicamente um deserto de alimentos. 

As 129 pessoas que dependem de George Naylor para seu sustento são todas desconhecidas, vivendo na ponta mais distante de uma cadeia alimentar tão longa, intrincada e obscura que nenhum produtor nem consumidor tem motivo algum para saber algo sobre o outro. Pergunte a um desses comedores de onde vem o seu filé ou o seu refrigerante e ele ou ela responderá “do supermercado”. Pergunte a George para quem ele está cultivando todo esse milho e ele lhe dirá “o complexo militar-industrial”. Ambos estão parcialmente corretos. 

Cheguei à fazenda de George Naylor na qualidade de representante não eleito dos 129, curioso para descobrir quem, e o quê, eu iria descobrir no fim da cadeia alimentar que me mantém vivo. Não há como saber se George Naylor está literalmente cultivando o milho que serve de alimento para o novilho que vai se transformar no meu bife, ou que adoça o refrigerante do meu filho, ou se proporciona os mais de dez aditivos derivados do milho com os quais o seu nugget de frango é construído. Mas, levando em conta as muitas e complexas ramificações por onde a produção do milho-mercadoria é escoada, as infinitas bifurcações seguidas por suas 90 mil sementes à medida que vão se dispersando através do sistema alimentar do país, há grandes chances de que pelo menos um dos grãos produzidos pela fazenda de Naylor, a exemplo do proverbial átomo do hálito de um Júlio César moribundo, tenha encontrado seu caminho para dentro de mim. E se não em mim, certamente em você. Esse milharal de Iowa (e todos os outros como ele) é o lugar de onde vem a maior parte da nossa comida.

- POLLAN, Michel; O Dilema do Onívoro, p. 32-33.

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