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O lado negro da Revolução Verde


Chama-se Revolução Verde a um extenso programa implementado em meados do século XX, iniciado no México, sob os auspícios da Fundação Rockfeller, cujo objetivo era promover efetivo aumento na produção agrícola para erradicar a fome do planeta. De fato, o programa idealizado e capitaneado pelo agrônomo, geneticista e melhorista vegetal norte-americano, Dr. Norman Borlaug, tirou da inanição e salvou a vida de milhares de pessoas no mundo inteiro, valendo ao cientista o Prêmio Nobel da Paz, em 1970.

Em setembro de  2009, foi noticiado pela imprensa internacional e nacional o falecimento do Dr. Borluag. Equivocadamente, boa parte da imprensa - inclusive a Folha de São Paulo - ao apresentar os feitos do cientista, afirmou que sua maior contribuição foi o lançamento de "variedades de plantas com elevada resistência às pragas e doenças".

Essa notícia causou espanto para todos os que conhecem a história da Revolução Verde. Ora, o grande feito do Dr. Bourluag e seus colaboradores foi o lançamento de variedades de alta produtividade, ou VAP, e não com elevada resistência a pragas e doenças. Assim, essas variedades que tinham efetivamente produtividade muito alta, apresentavam também como característica marcante justamente sua fragilidade em relação aos ataques de pragas e doenças. Essa fragilidade redundou em dependência de elevadas doses de fertilizantes industrias de alta solubilidade. A produção aumentava muitíssimo, é verdade, mas era necessária a aplicação de elevadas doses de agrotóxicos, bem como a prática da irrigação.

É preciso deixar claro que as variedades tradicionais, crioulas, cultivadas pelos agricultores do mundo em desenvolvimento eram muito mais adaptadas às condições locais de cultivo, além de praticamente não demandarem insumos externos. Além do mais, é evidente que, durante a muitos anos, foram as variedades tradicionais que garantiram a sobrevivência e a segurança alimentar dos povos e países pouco desenvolvidos. 

As críticas aos métodos utilizados no programa do Dr. Borlaug foram muitas e intensas, sobretudo no que tange o meio ambiente e ás questões socioeconômicas. De fato, o programa tornou os agricultores do mundo subdesenvolvido muito mais dependentes não só de energia fóssil (petróleo), como também de tecnologias produzidas e dominadas por empresas dos países ricos. Vale lembrar que, entre os grandes financiadores da Revolução Verde, estavam empresas multinacionais e a Fundação Rockfeller, notadamente ligada aos setores petroleiros dos Estados Unidos

Com a crise do petróleo dos anos 1970 e o uso indiscriminado de produtos inseticidas agrotóxicos, os resultados foram lamentáveis: êxodo rural, inchaço das cidades, violência urbana, marginalização e contaminação ambiental e humana. E a fome, que seria o nobre motivo do lançamento das VAP e que rendeu o Nobel da Paz ao Dr. Borluag? Bem a fome só aumento, chegando a cerca de 1 bilhão de cidadãos do planeta, segundo dados da FAO, aliás, grande incentivadora da Revolução Verde.

Essa visão crítica não implica uma posição contrária a ciência e a tecnologia. Posicionar-se contra a Revolução Verde não significa adotar uma posição obscurantista, até porque, estabelecido um balanço socioambiental, podemos ver que houve muito mais prejuízos que benefícios, e que a redução do custo dos alimentos decorrentes da produção em larga escala foi amplamente ultrapassada pelas doenças causadas a agricultores e consumidores, pelo aumento vertiginoso das doenças vegetais provenientes da fragilidade das plantas melhoradas geneticamente e pela enorme e incalculável perda de biodirversidade. 

Para um aprofundamento desta análise, pode-se considerar a leitura de O Mercado da Fome: as verdadeiras razões da fome no mundo, de Susan George. O capítulo que trata especificamente da Revolução Verde é uma crítica contundente, que aborda questões ambientais, econômicas e culturais. 

Um dos aspectos mais preocupantes da Revolução Verde é o fato dela ter provocado a perda de milhares de variedades espécies vegetais que 50 anos atrás eram cultivadas e mantidas em cultivos in vivo pelos agricultores. Muitas dessas variedades estão hoje armazenadas em projetos de altíssimo custo, como o Svalbard International Seed Vaulut (SISV) - o silo Global de Semendes de Svalbard, também conhecido como a Arca do Fim do Mundo - ou em bancos de germoplasma do United States Dapartment of Agriculture (USDA), da FAO, do Consultative Group on International Agricultural Resarch (CGIAR) ou da própria Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Empraba). A perda de biodiversidade é um problema tão grave, que até cientistas de outras áreas do conhecimento como o astrofísico e cosmólogo britânico Martin Rees, colocam a destruição da biodiversidade, juntamente com o aquecimento global, como dos maiores perigos a serem enfrentados pela humanidade neste século.

A Revolução Verde é, possivelmente, o exemplo mais claro do paradigma produtivista. Para os cientistas agrícolas, esse paradigma se sustenta em crença implícita e acrítica, aceitação dos dogmas da ciência positivista e o ingênuo utilitarismo econômico. A ciência positivista considera-se neutra, desprovida de valores, o que implica não ser pertinente a avaliação ética dos processos de pesquisa de que faz uso, nem dos sues produtos. O utilitarismo econômico ingênuo reforça a abordagem da ciência positivista por defender que as tecnolgias difundidas e adotadas pelos agricultores são sempre, em termos éticos, inerentemente aceitáveis. Assim o cientista, dono do saber, pode definir sozinho o que é bom para a sociedade. Evidentemente, essa posição não é sustentável diante da ética socioambiental.

O uso intensivo e abusivo dos agrotóxicos - fungisidas, inseticidas, herbicidas, acaricidas, bactericidas, etc. - nos chegou com o pacote da Revolução Verde. Rachel Carson, escritora e bióloga dos Estados Unidos, publicou em 1962, o livro Slient Spring (Primavera Silenciosa), em que focaliza, de maneira inédita, os problemas ambientais decorrentes do uso de agrotóxicos. Pagou caro por sua brilhante e incisiva crítica ao uso desmensurado e abusivo de pesticidas sintéticos: foi perseguida pela grande imprensa norte-americana e pela poderosíssima indústria de agrotóxicos.

Do trabalho iniciado por Rachel Carson até a proibição total nos Estados Unidos do uso de inseticidas clorados, como o DDT, passaram-se cerca de dez anos. Foi o tempo que levaram para se conscientizarem da ação carcinogênica desses produtos, do seu impacto e persistência no ambiente e da ameaça que trazem para todas as formas de vida. Esses clorados foram também indutores do surgimento de insetos-praga com grande resistência e/ou tolerância a esses produtos, o que leva à necessidade de doses maiores ou de novos agroquímicos. A medida de proibição dos clorados foi gradativamente se espalhando pelo mundo, sendo que o Brasil adotou apenas na segunda metade da década de 1980. A lei que regulamenta e tipifica os agrotóxicos é a lei n°7.802 de 1989.

A sociedade como um todo não está diretamente exposta aos danos dos agrotóxicos como estão os agricultores e mesmo os trabalhadores da indústria, em que os efeitos se concentram, com forte caráter letal. Mas as tragédias acontecem e arrastam indiscriminadamente todos os cidadãos. Em 1984, na cidade de Bhopal na Índia, houve um episódio terrível, de impacto mundial: o vazamento de produtos em uma indústria de inseticidas agrotóxicos pertencente à Union Carbide, que levou a morte de cerca de 3 800 pessoas e causou danos severos em pelo menos 11 000. A Union Carvide era uma emrpesa norte-americana, que, na Índiam tinha metade do capital partilhada pelo governo indiano. Essa planta industrial produzia na época o insetisida Temik (aldicarb, metilcarbamato de oxina) o Sevin (carbaril, 1-naftil-metilcarbamato), inseticidas sistêmcios altamente tóxicos. O produto que vazou e se acumulou sobre a cidade de Bhopal foi isocianato de metila (metil-isocianato, MIC), utilizado na produção desses dois agrotóxicos.

A tragédia de Bhopal expôs os graves problemas e perigos da indústria química e também fortaleceu o movimento por modelos de agricultura menos agressivos ao ambiente; afinal, o homem pode ser a vítima final do uso indiscriminado desses produtos. Os consumidores estão expostos, mas os agricultores e os operários dessas indústrias estão muitas vezes mais expostos a esses venenos, caso as normas de segurança e uso de proteção não sejam rigorosamente seguidas. A Union Carbide, que era na época, uma das maiores empresas do setor, viu seu poder reduzido, e seus setores de agrotóxicos foram adquiridos pela empresa alemã Bayer (hoje Bayer CropSciencie). A própria emrpesa veio mais tarde a ser adquirida pela Dow Chemical, também norte-americana. 


-  ABBOUD, Antonio Carlos de Souza. Introdução a Agronomia; p. 11-14.

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