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''Num supermercado médio americano, é possível encontrar cerca de 45 mil itens e mais de um quarto deles atualmente contém milho.''


A não ser pelo sal e por um punhado de aditivos alimentares sintéticos, todo e qualquer item comestível encontrado num supermercado é um elo na cadeia alimentar que começa com uma determinada planta crescendo num trecho específico de solo (ou, mais raramente, num pedaço de mar) em algum ponto da Terra. Às vezes, como ocorre no setor de legumes e verduras, esta cadeia é bem curta e fácil de se seguir: como diz o saco em forma de rede, esta batata foi cultivada em Idaho, aquela cebola veio de uma fazenda no Texas. Ao nos aproximarmos da carne, no entanto, a cadeia torna-se mais longa e menos compreensível: o rótulo não menciona o fato de que aquela costela veio de um bezerro nascido em Dakota do Sul, engordado num estábulo do Kansas com grãos plantados em Iowa. Ao chegarmos ao setor de comidas processadas, é preciso ser um detetive ecológico bastante determinado para acompanhar as linhas intrincadas e cada vez mais obscuras que levam o Twinkie ou o creme sintético até uma planta que cresce em algum ponto da Terra, mas isso pode ser feito. 

Então, uma vez solto dentro de um supermercado americano, o que um detetive ecológico descobriria ao fazer remontar a origem de cada item no seu carrinho de compras até o solo cultivado? Comecei a me ocupar dessa ideia há alguns anos, depois de chegar à conclusão de que a pergunta “O que devo comer?” não poderia mais ser respondida sem primeiro abordar duas outras questões ainda mais diretas: “O que estou comendo? E de onde isso veio?”. Há não muito tempo, um comedor não precisaria de um jornalista para responder a essas perguntas. O fato de hoje em dia recorrerem a ele com tanta frequência oferece um ótimo ponto de partida para chegar a uma definição de comida industrial: toda comida cuja proveniência é tão complexa e obscura que exige a ajuda de um especialista para determinar de onde ela veio.

Quando comecei a tentar seguir a cadeia alimentar industrial – aquela que alimenta a maioria de nós na maior parte do tempo e que costuma culminar ou num supermercado ou numa refeição fast-food –, esperava que minhas investigações fossem me levar a uma enorme variedade de lugares. E, apesar de as minhas viagens de fato me levarem a um grande número de estados, e de cobrirem muitos quilômetros, exatamente no fim dessas cadeias alimentares (o que vale dizer, no começo de tudo), eu invariavelmente fui parar no mesmo lugar: uma fazenda no Cinturão do Milho americano, a região do Meio-Oeste do país conhecida pelo cultivo desta planta. Acaba-se descobrindo que o grande edifício de variedade e opções que é o supermercado americano tem fundações biológicas notavelmente restritas a um pequeno grupo de plantas dominadas por uma única espécie: Zea mays, a erva tropical gigante que a maioria de nós conhece como milho. 

É o milho que alimenta o novilho que se transforma no bife. O milho alimenta a galinha e o porco, o peru e o cordeiro, o bagre e a tilápia e, cada vez mais, até o salmão, um carnívoro por natureza que os criadores de peixe estão submetendo a uma reengenharia para que passe a tolerar o milho. Os ovos são feitos de milho. O leite e o queijo e o iogurte, que antes vinham das vacas leiteiras que se alimentavam no pasto, agora costumam vir das vacas Holstein, que passam toda sua vida útil num estábulo, ligadas às máquinas, comendo milho. 

Vamos adiante para a seção de comidas processadas e encontramos manifestações ainda mais intrincadas do milho. Num nugget de galinha, por exemplo, o milho se sobrepõe ao milho: a galinha ali contida consiste em milho, é claro, mas também os outros ingredientes do nugget, incluindo o amido de milho geneticamente modificado que dá a liga responsável pela consistência da coisa, a farinha de milho na massa que a reveste e o óleo de milho no qual a peça é frita. E, o que é muito menos óbvio, as leveduras e a lecitina, os mono, di e triglicerídios, a atraente cor dourada, e até mesmo o ácido cítrico que mantém o nugget “fresco”, todos podem ser derivados do milho. 

Ao acompanhar seus nuggets de frango com qualquer refrigerante encontrado no supermercado, você estará acrescentando milho ao milho. Desde a década de 1980 absolutamente todos os refrigerantes e a maior parte das bebidas à base de frutas vendidas nos supermercados vêm sendo adoçados com xarope de milho com alto teor de frutose (HFCS) – depois da água, o adoçante à base de milho é o seu principal ingrediente. Se, em vez disso, optarmos por pegar uma cerveja, ainda assim estaremos bebendo milho, na forma de álcool fermentado a partir de glicose refinada de milho. Leia os ingredientes na embalagem de qualquer alimento processado e, contanto que saiba decifrar os termos químicos que o disfarçam, milho é o que você encontrará. Para amido modificado ou não modificado, para xarope de glicose e maltodextrina, para frutose cristalina e ácido ascórbico, para lecitina e dextrose, ácido lático e lisina, para maltose e HFCS, para MSG e polialcóois, para a cor caramelo e goma xantana, por tudo isso, leia-se: milho. O milho está no creme para o café e no Cheez Whiz, no iogurte congelado e na refeição semipronta, na fruta em lata, no ketchup e nos doces, nas sopas e tira-gostos e misturas para bolo, nos waffles com cobertura e nos congelados, nos xaropes e molhos quentes, na maionese e na mostarda, nos cachorros-quentes e no molho à bolonhesa, na margarina e na manteiga de bolo, no molho para saladas e nos condimentos e até nas vitaminas. (Sim, também está nos Twinkies.) Num supermercado médio americano, é possível encontrar cerca de 45 mil itens e mais de um quarto deles atualmente contém milho. Isso também vale para os itens não comestíveis: tudo, da pasta de dentes até os cosméticos e as fraldas descartáveis, sacos de lixo, produtos de limpeza, fósforos e pilhas, até mesmo a película brilhante que recobre a capa da revista que chama sua atenção na banca: milho. Mesmo no setor de legumes e verduras, quando não existe nenhum milho à vista, você acabará encontrando muito milho: na cera vegetal com a qual os pepinos são recobertos e que lhes dá um brilho extra, nos pesticidas responsáveis pela perfeição exibida pelos produtos, até mesmo no revestimento das embalagens de papelão de que foram revestidos. Na realidade, o próprio supermercado – as divisórias e folhas de material prensado, o linóleo, a fibra de vidro e os adesivos com os quais as instalações foram construídas – consiste, de alguma forma, numa manifestação do milho.

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Para um americano como eu, que cresceu associado a uma cadeia alimentar muito diferente, embora também enraizada num milharal, não se imaginar uma pessoa feita de milho sugere ou uma falta de imaginação ou um triunfo do capitalismo. Ou talvez um pouco de ambos. Requer de fato um pouco de imaginação reconhecer a espiga de milho na garrafa de Coca-Cola ou no Big Mac. Ao mesmo tempo, a indústria dos alimentos foi plenamente bem-sucedida ao nos convencer de que os 45 mil itens diferentes no supermercado – cerca de 17 mil novos itens a cada ano – representam uma genuína variedade e não apenas engenhosos remanejamentos de moléculas extraídas da mesma planta.

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- POLLAN, Michel; O Dilema do Onívoro, p. 20-22.

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