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"E, contudo, quanto maior for a safra que conseguirem, mais os preços cairão, fazendo a espiral perversa da superprodução dar mais uma volta no seu torniquete."


“Os agricultores que enfrentam preços baixos têm apenas uma opção para manter o seu padrão de vida, pagar as contas e as parcelas de sua dívida, que é a de produzir ainda mais.” A família de um agricultor precisa de um certo volume de dinheiro para se manter a cada ano, e, se o preço do milho cai, o único jeito de manter a renda é vender mais milho. Naylor diz que os agricultores que ficam desesperados para aumentar a produtividade acabam por deteriorar suas terras, semeando e colhendo em faixas de terras à margem da lavoura, usando cada vez mais nitrogênio – tudo para arrancar mais alguns alqueires do solo. E, contudo, quanto maior for a safra que conseguirem, mais os preços cairão, fazendo a espiral perversa da superprodução dar mais uma volta no seu torniquete. Ainda assim, os agricultores continuam a medir seu sucesso pelos alqueires obtidos por acre, uma medida que continua a valer mesmo com vários indo à falência. 

“A lei da oferta e da procura nunca funcionou na agricultura e nunca vai funcionar. A lógica econômica de uma propriedade familiar é muito diferente daquela de uma empresa: quando os preços caem, a firma pode mandar gente embora, desativar fábricas e produzir menos disso ou daquilo. Mas, ao final, o mercado acaba encontrando um novo equilíbrio entre a oferta e a demanda. Mas a demanda por comida não é elástica; as pessoas não comem mais só porque a comida está barata. E demitir fazendeiros não ajuda a reduzir a oferta. Você pode me despedir, mas não pode despedir a minha terra, porque algum outro fazendeiro, que precisa de um fluxo de caixa maior ou que pensa ser mais eficiente do que eu, virá cultivar as terras. Mesmo se eu sair desse ramo, esse pedaço de terra continuará a produzir milho.” 

Mas por que milho e não alguma outra coisa? “Nós aqui estamos no último degrau da cadeia alimentar industrial, usando essa terra para produzir energia e proteínas, principalmente para alimentar animais. O milho é o meio mais eficiente de se produzir energia; a soja, o meio mais eficiente de se produzir proteínas.” Naylor descarta de forma mal-humorada a mera ideia de plantar outra coisa. “O que vou cultivar aqui? Brócolis? Alface? Fizemos um investimento de longo prazo para cultivar milho e soja. O silo é o único comprador na cidade e só me paga por milho e soja. O mercado me diz para cultivar milho e soja. Ponto.” Da mesma forma que o governo, que calcula o pagamento de seus vários subsídios baseando-se na sua safra de milho. 

Assim, a praga do milho barato segue em frente, empobrecendo agricultores (tanto aqui como nos países para onde o exportamos), deteriorando a terra, poluindo a água e sangrando o orçamento federal, que hoje gasta cerca de cinco bilhões de dólares por ano para subsidiar o milho barato. Mas, ainda que esses cheques de subsídio vão para as mãos dos fazendeiros (e representem hoje quase metade do rendimento bruto dos agricultores), o Tesouro está na realidade subsidiando os compradores desse milho barato. “A agricultura sempre será organizada pelo governo; a questão é: organizada em benefício de quem? Hoje em dia ela beneficia a Cargill e a Coca-Cola. Certamente não o fazendeiro.”

- POLLAN, Michel; O Dilema do Onívoro, p. 46-47.

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“(...) ainda estamos comendo as sobras da Segunda Guerra”


A grande virada na moderna história do milho, que por sua vez marca um momento decisivo na industrialização dos nossos alimentos, pode ser localizada com precisão num dia de 1947 quando a grande fábrica de munição em Muscle Shoals, no Alabama, foi adaptada para começar a produzir fertilizante químico. Depois da guerra, o governo havia deparado com um enorme excedente de nitrato de amônio, o principal ingrediente para a fabricação de explosivos. O nitrato de amônio por acaso também é uma excelente fonte de nitrogênio para plantas. Chegou-se a pensar seriamente em pulverizar as florestas americanas com o excedente daquela substância química para ajudar a indústria madeireira. Mas agrônomos do Departamento de Agricultura tiveram uma ideia melhor: espalhar o nitrato de amônio nas terras cultivadas como um fertilizante. A indústria de fertilizantes químicos (juntamente com a de pesticidas, derivados de gases venenosos desenvolvidos para a guerra) é o produto do esforço do governo para adaptar sua máquina de guerra a propósitos pacíficos. Como costuma dizer em seus discursos a agricultora e ativista indiana Vandana Shiva, “ainda estamos comendo as sobras da Segunda Guerra”

O milho híbrido acabou se revelando o maior beneficiário dessa conversão. O milho híbrido é a mais gananciosa das plantas, consumindo mais fertilizante do que qualquer outro tipo de lavoura. Ainda que os novos híbridos contassem com genes capazes de sobreviver nas superpovoadas cidades de milho, nem mesmo o acre de solo mais rico de Iowa poderia ter alimentado 30 mil ávidos pés de milho sem esgotar prontamente sua fertilidade. Para evitar que suas terras ficassem “enjoadas de tanto milho”, os fazendeiros na época do pai de Naylor tinham o cuidado de alternar suas lavouras com leguminosas (que acrescentam nitrogênio ao solo), jamais plantando milho mais de uma vez no mesmo terreno num período de cinco anos. Eles também reciclavam os nutrientes espalhando pelos seus milharais esterco obtido com seus próprios animais. Antes do advento dos fertilizantes sintéticos, a quantidade de nitrogênio no solo estabelecia um limite rígido da quantidade de milho por acre que um solo aguentaria produzir. Ainda que os híbridos tenham sido introduzidos nos anos 1930, os milharais só viriam a explodir ao entrar em contato com os fertilizantes químicos na década de 1950. 

Tudo mudou com a descoberta do nitrogênio sintético – não apenas para o pé de milho e a fazenda, não apenas para o sistema de produção de alimentos, mas também para a maneira como a vida se desenvolve na Terra. Toda vida depende de nitrogênio; é ele o elemento essencial a partir do qual a natureza monta aminoácidos, proteínas e ácido nucléico; a informação genética que organiza e perpetua a vida está inscrita no nitrogênio. (É por essa razão que os cientistas dizem que o nitrogênio proporciona a qualidade da vida, enquanto os carbonos são responsáveis pela quantidade.) Mas o estoque de nitrogênio da Terra em condições de ser usado é limitado. Apesar de a atmosfera da Terra ser composta de nitrogênio em quase 80%, todos esses átomos são estreitamente emparelhados, não reativos e, portanto, inúteis; o químico do século XIX Justus von Liebig falava da “indiferença em relação a todas as substâncias” demonstrada pelo nitrogênio atmosférico. Para ser de alguma utilidade para plantas e animais, esses átomos de nitrogênio voltados para si mesmos precisam ser cindidos e em seguida unidos a átomos de hidrogênio. Os cientistas chamam esse processo de tomar átomos da atmosfera e combiná-los em moléculas úteis para os seres vivos de “consertar” esse elemento. Até que um químico judeu alemão chamado Fritz Haber descobrisse como realizar esse truque em 1909, todo o nitrogênio utilizável na Terra tinha sido em algum momento fixado por bactérias existentes no solo nas raízes das plantas leguminosas (como ervilhas, alfafas ou alfarrobeiras) ou, mais raramente, pelo choque elétrico de um relâmpago, que pode quebrar os laços do nitrogênio no ar, liberando uma leve chuva de fertilidade. 

O geógrafo Vaclav Smil, que escreveu um livro fascinante sobre Fritz Haber chamado Enriching the Earth, observou que “não há possibilidade de fazer crescer lavouras ou corpos sem nitrogênio”. Antes da invenção de Fritz Haber, a quantidade bruta de vida que a Terra podia sustentar – o tamanho das lavouras e consequentemente o número de corpos humanos – era limitada pela quantidade de nitrogênio que as bactérias e os raios podiam fixar. Em 1900, cientistas europeus admitiam que, a não ser que fosse encontrado um modo de potencializar este nitrogênio espontaneamente gerado, o crescimento da população humana logo se veria diante do seu limite, num impasse bastante doloroso. O mesmo reconhecimento algumas décadas mais tarde por parte dos cientistas chineses foi provavelmente o que levou à abertura da China ao Ocidente: depois da viagem de Nixon à China, em 1972, a primeira grande encomenda feita pelo governo chinês foi a de 13 grandes fábricas de fertilizantes. Sem elas, a China provavelmente teria sofrido com a fome. 

É por isso que talvez não seja exagerado afirmar, como faz Smil, que o processo Haber-Bosch (Carl Bosch obtém o crédito por comercializar a ideia de Haber) para fixar nitrogênio é a mais importante invenção do século XX. Pela sua estimativa, dois em cada cinco seres humanos hoje na Terra não estariam vivos não fosse pela invenção de Fritz Haber. Podemos facilmente imaginar um mundo sem computadores ou eletricidade, observa Smil, mas sem fertilizantes sintéticos bilhões de pessoas nem sequer teriam nascido. Ainda que, como sugerem estes números, os seres humanos possam ter selado com a natureza um pacto semelhante ao de Fausto quando Fritz Haber nos deu o poder de fixar o nitrogênio. 

Fritz Haber? Não, eu também nunca tinha ouvido falar dele, apesar de ele ter ganhado um Prêmio Nobel em 1920 por “melhorar os padrões da agricultura e o bem-estar da humanidade”. Mas o motivo da sua obscuridade talvez tenha menos a ver com a importância do seu trabalho do que com a sinistra reviravolta ocorrida na sua biografia, que chama nossa atenção para as ambíguas relações entre os conflitos contemporâneos e a agricultura industrial. Durante a Primeira Guerra Mundial, Haber empenhou-se no esforço de guerra alemão, e sua química manteve vivas as esperanças de uma vitória alemã. Depois que a Grã-Bretanha cortou o suprimento de nitrato – ingrediente vital na fabricação de explosivos – com o qual as minas chilenas abasteciam a Alemanha, a tecnologia de Haber permitiu que a Alemanha continuasse a produzir bombas com nitrato sintético. Mais tarde, quando a guerra ficou atolada nas trincheiras da França, Haber usou sua genialidade como químico para desenvolver gases venenosos – amoníaco e, em seguida, cloro. (Posteriormente ele desenvolveu o Zy klon B, o gás que Hitler iria usar nos campos de extermínio.) No dia 22 de abril de 1915, escreve Smil, Haber estava “na linha de frente dirigindo o primeiro ataque com gás da história militar”. Seu retorno “triunfante” a Berlim foi arruinado alguns dias depois quando sua esposa, uma colega cientista, enojada com a contribuição do marido ao esforço de guerra, usou a pistola de Haber para se matar. Ainda que Haber mais tarde tenha se convertido ao cristianismo, sua origem judaica obrigou-o a fugir da Alemanha nos anos 1930. Abatido, ele morreu num quarto de hotel em Basel, em 1934. Talvez pelo fato de a história da ciência ser escrita pelos vencedores, o nome de Fritz Haber e as suas realizações foram praticamente riscados do século XX. Nem mesmo uma placa registra o lugar onde fez sua grande descoberta na Universidade de Karlsruhe. 

A história de Haber encarna os paradoxos da ciência: revela nossa manipulação da natureza como uma faca de dois gumes, mostra o bem e o mal que podem advir não apenas do mesmo homem como também do mesmo conhecimento. Haber trouxe ao mundo tanto uma nova e vital fonte de fertilidade como uma nova e medonha arma de destruição. Como escreveu seu biógrafo, “é o mesmo homem e a mesma ciência fazendo as duas coisas”. E, no entanto, mesmo esse dualismo que separa o benfeitor da agricultura do produtor de armas químicas é por demais conveniente, pois até a iniciativa benéfica de Haber tem-se revelado uma dádiva ambivalente. 

Quando a humanidade adquiriu o poder de fixar nitrogênio, a base da fertilidade do solo deslocou-se de uma total dependência em relação à energia do Sol para uma nova dependência em relação ao combustível fóssil. Pois o processo Haber-Bosch funciona por meio da combinação de gases de nitrogênio e hidrogênio sob enormes calor e pressão na presença de um agente catalisador. O calor e a pressão são proporcionados por quantidades prodigiosas de eletricidade e o hidrogênio é suprido pelo petróleo, carvão ou, mais frequentemente nos dias de hoje, por gás natural – combustíveis fósseis. É verdade que esses combustíveis fósseis também foram, há bilhões de anos, criados pelo Sol, mas eles não são renováveis do mesmo modo que a fertilidade criada por uma leguminosa alimentada pela luz do Sol é renovável. (Este nitrogênio na realidade é fixado por uma bactéria que vive nas raízes da leguminosa, que troca uma pequena gota de açúcar pelo nitrogênio de que a planta precisa.) 

No dia, durante a década de 1950, em que o pai de George Naylor espalhou pelas suas terras o primeiro carregamento de nitrato de amônio, a ecologia de sua propriedade sofreu uma revolução silenciosa. O que tinha sido um ciclo de fertilidade local, ditado pelo Sol, no qual as leguminosas alimentavam o milho, que alimentava os animais, que por sua vez (com seu esterco) alimentavam o milho, agora se rompera. A partir daquele momento ele poderia plantar milho todos os anos e no espaço que quisesse das suas terras, já que não tinha mais necessidade das leguminosas ou do esterco animal. Podia comprar fertilidade em sacos, fertilidade produzida originalmente há bilhões de anos do outro lado do mundo. 

Livre das antigas restrições biológicas, a fazenda podia agora ser administrada com base em princípios industriais, como uma fábrica transformando matérias-primas – fertilizantes químicos – em produtos – o milho. Como a propriedade não precisa mais gerar e conservar sua própria fertilidade mantendo uma diversidade de espécies, o fertilizante sintético abre o caminho para a monocultura, permitindo que o agricultor introduza na natureza a economia de escala e a eficiência mecânica características de uma fábrica. Se, como já foi dito, a descoberta da agricultura representou a primeira queda do homem do seu estado natural, então a descoberta da fertilidade sintética é certamente uma segunda e vertiginosa queda. A fixação do nitrogênio permitiu que a cadeia alimentar se afastasse da lógica da biologia para adotar a lógica da indústria. Em vez de comer exclusivamente das mãos do Sol, a humanidade agora começava a provar do petróleo. 

O milho adaptou-se brilhantemente ao novo regime industrial, consumindo quantidades prodigiosas de energia de combustível fóssil para produzir quantidades cada vez maiores de energia em forma de alimentos. Mais da metade de todo o nitrogênio sintético produzido hoje é destinado ao milho, cujas variedades de híbridos podem fazer melhor uso dele do que qualquer outra planta. Plantar milho, que de um ponto de vista biológico sempre tinha sido um processo de captar a luz do Sol para transformá-la em comida, transformou-se em grande medida no processo de converter combustíveis fósseis em comida. Essa mudança explica a cor da terra: a razão pela qual Greene County não fica mais verde durante metade do ano está no fato de o agricultor não precisar de lavouras que captem um ano inteiro de luz solar; ele já se conectou numa nova fonte de energia. Quando somamos o gás natural contido no fertilizante aos combustíveis fósseis necessários para produzir pesticidas, para pôr o trator em movimento, providenciar a colheita, secagem e transporte do milho, descobrimos que cada alqueire de milho industrial requer o equivalente a um quarto ou um terço de galão de petróleo para ser produzido – ou 50 galões de petróleo para cada acre de milho. (Algumas estimativas são ainda mais altas.) Dito de outro modo, é necessário mais de uma caloria de combustível fóssil para produzir uma caloria de comida. Antes da introdução do fertilizante químico, a fazenda dos Naylor produzia mais de duas calorias de energia em alimentos para cada caloria de energia investida. 

Do ponto de vista da eficiência industrial, é muito ruim que não possamos simplesmente beber diretamente o petróleo, porque há muito menos energia num alqueire de milho (medido em calorias) do que existe em cerca de metade de um galão de petróleo necessário para produzi-lo. Em termos ecológicos, esse é um método extraordinariamente dispendioso de se produzir alimentos – mas há muito tempo a ecologia deixou de ditar o padrão adotado. Enquanto a energia disponível em forma de combustível fóssil continuar tão abundante e barata, economicamente continuará a fazer sentido produzir milho dessa maneira. O velho método de cultivar milho – usar a fertilidade proporcionada pelo Sol – pode ter sido, em termos biológicos, o equivalente ao almoço grátis, mas o serviço do restaurante era muito mais lento e as porções estavam longe de serem fartas. Na fábrica, tempo é dinheiro, e o rendimento está acima de tudo. 

Um problema com as fábricas, se comparadas aos sistemas biológicos, é que elas tendem a poluir. Como o milho híbrido é ávido por combustíveis fósseis, os agricultores o alimentam com muito mais do que ele é capaz de consumir, desperdiçando a maior parte dos fertilizantes que compram. Talvez sejam aplicados na época errada do ano; talvez sejam lavados por parte das chuvas; talvez o agricultor ponha uma quantidade extra só por via das dúvidas. “Eles dizem que só é necessário pôr 45 quilos por acre. Eu não sei. Tenho colocado até 90 quilos. A gente sempre fica com medo de errar para menos”, explicou-me Naylor, um pouco envergonhado. “É uma espécie de seguro de produção.” 

Mas o que acontece com os 45 quilos extras de nitrogênio sintético que os pés de milho de Naylor não consomem? Parte dele evapora no ar, onde acidifica a chuva e contribui para o aquecimento global. (O nitrato de amônia é transformado em óxido nitroso, um importante gás estufa.) Outra parte se infiltra no lençol freático. Quando fui me servir de um copo d’água na cozinha de Naylor, Peggy fez questão de que eu usasse uma torneira especial ligada a um sistema de filtragem por osmose reversa instalado no subsolo. Quanto ao resto do nitrogênio excedente, é lavado das terras de Naylor pelas chuvas da primavera, que o carrega para as valas de escoamento que acabam despejando-o no rio Raccoon. De lá ele deságua no rio Des Moines, descendo até a cidade de Des Moines – que se abastece com a água daquele rio. Na primavera, quando o escoamento do nitrogênio atinge seu ponto máximo, a cidade emite um alerta dirigido aos pais, avisando que não é seguro deixar que as crianças bebam água das torneiras. Os nitratos na água ligam-se à hemoglobina, comprometendo a capacidade do sangue de transportar oxigênio para o cérebro. Portanto, acho que estava errado ao sugerir que não ingerimos diretamente combustíveis fósseis; às vezes fazemos isso. 

Menos de um século se passou desde o advento da invenção de Fritz Haber, e mesmo assim ela já mudou a ecologia da terra. Mais da metade do suprimento mundial de nitrogênio utilizável é atualmente produzido pelo homem. (A menos que tenhamos sido alimentados desde a infância com alimentos produzidos organicamente, mais da metade do nitrogênio que temos no nosso corpo – cerca de um quilo – foi produzido pelo processo Haber-Bosch.) “Perturbamos o ciclo global do nitrogênio”, escreveu Smil, “mais do que qualquer outro, mesmo o do carbono.” As consequências podem ser mais difíceis de prever do que os efeitos do aquecimento global provocado pela nossa interferência no ciclo do carbono, mas podem ser não menos graves. O dilúvio de nitrogênio sintético fertilizou não apenas os campos de cultivo, mas também as florestas e os oceanos, beneficiando algumas espécies (o milho e as algas estão entre os dois maiores beneficiários) e em detrimento de várias outras. O último estágio dos nitratos que George Naylor espalha no seu milharal em Iowa é fluir pelo rio Mississippi até desaguar no Golfo do México, onde sua fertilidade fatal envenena o ecossistema marinho. A maré de nitrogênio estimula o crescimento desenfreado das algas e as algas asfixiam os peixes, criando uma zona “hipóxica”, ou morta, tão extensa como o estado de Nova Jersey – e que continua a crescer. Ao fertilizar o mundo, alteramos a composição das espécies do planeta e fazemos encolher sua biodiversidade.

- POLLAN, Michel; O Dilema do Onívoro, p. 37-41.

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“Cultivar milho se resume a dirigir tratores e pulverizar”


(...)

Com a ajuda dos seus aliados humanos e botânicos (isto é, a política de incentivo à agricultura e à soja), o milho tinha empurrado para fora das terras os animais e as lavouras que os alimentavam, continuando a avançar firmemente para dentro de seus cercados, pastos e campos. Agora ia em frente expulsando as pessoas. Pois a radicalmente simplificada propriedade produtora de milho e soja não requer nem de longe a mesma força de trabalho da antiga propriedade diversificada, sobretudo quando os fazendeiros podem recorrer a máquinas de plantar com 16 braços e pesticidas contra ervas daninhas. Um único homem pode lidar com uma quantidade muito maior de acres por conta própria quando o que está sendo plantado é uma monocultura e, sem animais para tomar conta, pode tirar os fins de semana de folga, e até pensar em passar o inverno na Flórida. 

“Cultivar milho se resume a dirigir tratores e pulverizar”, disse-me Naylor; e o número de dias necessários para dirigir e pulverizar pode somar algumas semanas. As fazendas, então, tornam-se maiores, e as pessoas, que não conseguiam mesmo se sustentar por causa dos preços constantemente em queda do milho, acabaram partindo para outros lugares, cedendo o espaço para essa planta e seu crescimento monstruoso.

- POLLAN, Michel; O Dilema do Onívoro, p. 36-37.

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''A família Naylor também já não pode alimentar a família Naylor, como fez nos tempos do avô.''


(...)

A história da fazenda dos Naylor desde 1919, quando o avô de George a comprou, segue de perto a história da agricultura americana no século XX, tanto nas suas conquistas como nos seus desastres. Tudo começou com uma fazenda que sustentava uma família com uma dúzia de espécies diferentes de plantas e animais. Na época devia haver uma boa quantidade de milho, mas também de frutas e legumes, assim como de aveia, feno e alfafa para alimentar porcos, gado, galinhas e cavalos – os cavalos desempenhando o papel dos tratores daquela época. Um em cada quatro americanos vivia numa fazenda na época em que o avô de George chegou a Churdan; sua terra e seu trabalho proporcionavam comida suficiente para sua família e mais outros 12 americanos. Menos de um século depois, apenas cerca de dois milhões de americanos continuam a cultivar a terra – e o que produzem é suficiente para toda a população americana. Isso significa que o neto de Naylor, cultivando nada além de milho e soja numa propriedade bastante típica do Iowa, consegue ser tão fantasticamente produtivo que é capaz de alimentar 129 americanos. Levando em conta a produtividade por trabalhador, agricultores americanos como Naylor estão entre os seres humanos mais produtivos que já existiram. 

E, com tudo isso, George Naylor está quase à beira da falência – apesar de estar em melhor situação do que muitos de seus vizinhos. (Em parte porque ainda está dirigindo aquele trator ano 1975.) Pois, apesar de sua propriedade ainda ser capaz de alimentar 129 pessoas, ela já não é capaz de sustentar as quatro que moram nela: a fazenda dos Naylor sobrevive graças ao contracheque de Peggy Naylor (ela trabalha num órgão de assistência social em Jefferson) e a um subsídio anual pago por Washington, D.C. A família Naylor também já não pode alimentar a família Naylor, como fez nos tempos do avô. As safras colhidas por George são basicamente não comestíveis – são mercadorias que precisam ser processadas ou dadas aos animais como ração antes de que estes possam alimentar pessoas. Água, água por todo lado e nem uma gota para se beber: como ocorre na maior parte do Iowa, que atualmente importa 80% dos alimentos que consome, a fazenda de George (com exceção do seu jardim, suas galinhas e suas árvores frutíferas) é basicamente um deserto de alimentos. 

As 129 pessoas que dependem de George Naylor para seu sustento são todas desconhecidas, vivendo na ponta mais distante de uma cadeia alimentar tão longa, intrincada e obscura que nenhum produtor nem consumidor tem motivo algum para saber algo sobre o outro. Pergunte a um desses comedores de onde vem o seu filé ou o seu refrigerante e ele ou ela responderá “do supermercado”. Pergunte a George para quem ele está cultivando todo esse milho e ele lhe dirá “o complexo militar-industrial”. Ambos estão parcialmente corretos. 

Cheguei à fazenda de George Naylor na qualidade de representante não eleito dos 129, curioso para descobrir quem, e o quê, eu iria descobrir no fim da cadeia alimentar que me mantém vivo. Não há como saber se George Naylor está literalmente cultivando o milho que serve de alimento para o novilho que vai se transformar no meu bife, ou que adoça o refrigerante do meu filho, ou se proporciona os mais de dez aditivos derivados do milho com os quais o seu nugget de frango é construído. Mas, levando em conta as muitas e complexas ramificações por onde a produção do milho-mercadoria é escoada, as infinitas bifurcações seguidas por suas 90 mil sementes à medida que vão se dispersando através do sistema alimentar do país, há grandes chances de que pelo menos um dos grãos produzidos pela fazenda de Naylor, a exemplo do proverbial átomo do hálito de um Júlio César moribundo, tenha encontrado seu caminho para dentro de mim. E se não em mim, certamente em você. Esse milharal de Iowa (e todos os outros como ele) é o lugar de onde vem a maior parte da nossa comida.

- POLLAN, Michel; O Dilema do Onívoro, p. 32-33.

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''Num supermercado médio americano, é possível encontrar cerca de 45 mil itens e mais de um quarto deles atualmente contém milho.''


A não ser pelo sal e por um punhado de aditivos alimentares sintéticos, todo e qualquer item comestível encontrado num supermercado é um elo na cadeia alimentar que começa com uma determinada planta crescendo num trecho específico de solo (ou, mais raramente, num pedaço de mar) em algum ponto da Terra. Às vezes, como ocorre no setor de legumes e verduras, esta cadeia é bem curta e fácil de se seguir: como diz o saco em forma de rede, esta batata foi cultivada em Idaho, aquela cebola veio de uma fazenda no Texas. Ao nos aproximarmos da carne, no entanto, a cadeia torna-se mais longa e menos compreensível: o rótulo não menciona o fato de que aquela costela veio de um bezerro nascido em Dakota do Sul, engordado num estábulo do Kansas com grãos plantados em Iowa. Ao chegarmos ao setor de comidas processadas, é preciso ser um detetive ecológico bastante determinado para acompanhar as linhas intrincadas e cada vez mais obscuras que levam o Twinkie ou o creme sintético até uma planta que cresce em algum ponto da Terra, mas isso pode ser feito. 

Então, uma vez solto dentro de um supermercado americano, o que um detetive ecológico descobriria ao fazer remontar a origem de cada item no seu carrinho de compras até o solo cultivado? Comecei a me ocupar dessa ideia há alguns anos, depois de chegar à conclusão de que a pergunta “O que devo comer?” não poderia mais ser respondida sem primeiro abordar duas outras questões ainda mais diretas: “O que estou comendo? E de onde isso veio?”. Há não muito tempo, um comedor não precisaria de um jornalista para responder a essas perguntas. O fato de hoje em dia recorrerem a ele com tanta frequência oferece um ótimo ponto de partida para chegar a uma definição de comida industrial: toda comida cuja proveniência é tão complexa e obscura que exige a ajuda de um especialista para determinar de onde ela veio.

Quando comecei a tentar seguir a cadeia alimentar industrial – aquela que alimenta a maioria de nós na maior parte do tempo e que costuma culminar ou num supermercado ou numa refeição fast-food –, esperava que minhas investigações fossem me levar a uma enorme variedade de lugares. E, apesar de as minhas viagens de fato me levarem a um grande número de estados, e de cobrirem muitos quilômetros, exatamente no fim dessas cadeias alimentares (o que vale dizer, no começo de tudo), eu invariavelmente fui parar no mesmo lugar: uma fazenda no Cinturão do Milho americano, a região do Meio-Oeste do país conhecida pelo cultivo desta planta. Acaba-se descobrindo que o grande edifício de variedade e opções que é o supermercado americano tem fundações biológicas notavelmente restritas a um pequeno grupo de plantas dominadas por uma única espécie: Zea mays, a erva tropical gigante que a maioria de nós conhece como milho. 

É o milho que alimenta o novilho que se transforma no bife. O milho alimenta a galinha e o porco, o peru e o cordeiro, o bagre e a tilápia e, cada vez mais, até o salmão, um carnívoro por natureza que os criadores de peixe estão submetendo a uma reengenharia para que passe a tolerar o milho. Os ovos são feitos de milho. O leite e o queijo e o iogurte, que antes vinham das vacas leiteiras que se alimentavam no pasto, agora costumam vir das vacas Holstein, que passam toda sua vida útil num estábulo, ligadas às máquinas, comendo milho. 

Vamos adiante para a seção de comidas processadas e encontramos manifestações ainda mais intrincadas do milho. Num nugget de galinha, por exemplo, o milho se sobrepõe ao milho: a galinha ali contida consiste em milho, é claro, mas também os outros ingredientes do nugget, incluindo o amido de milho geneticamente modificado que dá a liga responsável pela consistência da coisa, a farinha de milho na massa que a reveste e o óleo de milho no qual a peça é frita. E, o que é muito menos óbvio, as leveduras e a lecitina, os mono, di e triglicerídios, a atraente cor dourada, e até mesmo o ácido cítrico que mantém o nugget “fresco”, todos podem ser derivados do milho. 

Ao acompanhar seus nuggets de frango com qualquer refrigerante encontrado no supermercado, você estará acrescentando milho ao milho. Desde a década de 1980 absolutamente todos os refrigerantes e a maior parte das bebidas à base de frutas vendidas nos supermercados vêm sendo adoçados com xarope de milho com alto teor de frutose (HFCS) – depois da água, o adoçante à base de milho é o seu principal ingrediente. Se, em vez disso, optarmos por pegar uma cerveja, ainda assim estaremos bebendo milho, na forma de álcool fermentado a partir de glicose refinada de milho. Leia os ingredientes na embalagem de qualquer alimento processado e, contanto que saiba decifrar os termos químicos que o disfarçam, milho é o que você encontrará. Para amido modificado ou não modificado, para xarope de glicose e maltodextrina, para frutose cristalina e ácido ascórbico, para lecitina e dextrose, ácido lático e lisina, para maltose e HFCS, para MSG e polialcóois, para a cor caramelo e goma xantana, por tudo isso, leia-se: milho. O milho está no creme para o café e no Cheez Whiz, no iogurte congelado e na refeição semipronta, na fruta em lata, no ketchup e nos doces, nas sopas e tira-gostos e misturas para bolo, nos waffles com cobertura e nos congelados, nos xaropes e molhos quentes, na maionese e na mostarda, nos cachorros-quentes e no molho à bolonhesa, na margarina e na manteiga de bolo, no molho para saladas e nos condimentos e até nas vitaminas. (Sim, também está nos Twinkies.) Num supermercado médio americano, é possível encontrar cerca de 45 mil itens e mais de um quarto deles atualmente contém milho. Isso também vale para os itens não comestíveis: tudo, da pasta de dentes até os cosméticos e as fraldas descartáveis, sacos de lixo, produtos de limpeza, fósforos e pilhas, até mesmo a película brilhante que recobre a capa da revista que chama sua atenção na banca: milho. Mesmo no setor de legumes e verduras, quando não existe nenhum milho à vista, você acabará encontrando muito milho: na cera vegetal com a qual os pepinos são recobertos e que lhes dá um brilho extra, nos pesticidas responsáveis pela perfeição exibida pelos produtos, até mesmo no revestimento das embalagens de papelão de que foram revestidos. Na realidade, o próprio supermercado – as divisórias e folhas de material prensado, o linóleo, a fibra de vidro e os adesivos com os quais as instalações foram construídas – consiste, de alguma forma, numa manifestação do milho.

(...)

Para um americano como eu, que cresceu associado a uma cadeia alimentar muito diferente, embora também enraizada num milharal, não se imaginar uma pessoa feita de milho sugere ou uma falta de imaginação ou um triunfo do capitalismo. Ou talvez um pouco de ambos. Requer de fato um pouco de imaginação reconhecer a espiga de milho na garrafa de Coca-Cola ou no Big Mac. Ao mesmo tempo, a indústria dos alimentos foi plenamente bem-sucedida ao nos convencer de que os 45 mil itens diferentes no supermercado – cerca de 17 mil novos itens a cada ano – representam uma genuína variedade e não apenas engenhosos remanejamentos de moléculas extraídas da mesma planta.

(...)

- POLLAN, Michel; O Dilema do Onívoro, p. 20-22.

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Sobre o Blog



Este blog não á nada além de um gigantesco caderno digital de estudos. Seu conteúdo foi construído a partir da pesquisa bibliográfica e da consulta na própria internet, de modo que a fonte originária da informação encontra-se indicada ao fim da postagem.

Dedico-me aqui a reunir dados a respeito dos seguintes temas e sua inter-relação: catolicismo, agricultura, tecnologia, ciência e meio ambiente.

O nome do blog, Creatio, do latim criação, é o termo usado na tradição católica para se referir a natureza, ao mundo criado por Deus. Tal nome tem muito haver com a proposta do blog, que se propõe a investigar alguns aspectos da criação.

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